Sobre brasões
A sua criação era um processo complicado, que partia da ideia de um senhor, que queria ter um símbolo, uma marca que o representasse. Discutia com o seu grupo de conselheiros numa sala ampla, escura e fria, apesar da grande lareira acesa a um canto, e das tapeçarias que cobriam as paredes de pedra dura, dizendo e argumentando como é que queria ser visto, como gostaria de ser substituído por um desenho, e, quiçá, ouvindo, opiniões honestas ou meros acenos de cabeça de concordância, simplesmente ditos porque ninguém ousaria contestar o seu senhor. Não sei se haveria alguém douto o suficiente para escrever o que queriam, os objectivos, a quem pretendiam comunicar e o que pretendiam comunicar com o brasão, que representaria aquele senhor para todo o sempre – mas, acabavam sempre por chamar os monges de um qualquer mosteiro próximo, gente culta, instruída, temente a Deus, e também com uma imaginação exaltada pelos livros que apenas eles eram capazes de ler, e com um gosto terrível pelo desenho exacerbado pelos páginas e páginas de iluminuras medievais.
Os monges reuniam-se dias a fio, até apresentarem o seu trabalho, o magnífico brasão a que chegaram após inúmeras ideias e discussões entre monges criativos e monges que conheciam o gosto do senhor da guerra. Cada cor, cada pequeno desenho tinha o seu significado. Alguns trabalhos seguiam o pensamento do senhor e iam ainda mais além do que ele poderia ter imaginado. Outros (normalmente os que nunca tinham recebido uma direcção escrita), dependiam mais da imaginação, boa-fé e capacidade de fidedignidade e adivinhação dos monges. Mas todos, todos os brasões quando eram apresentados pela primeira vez recebiam os mesmos comentários:
Senhor – “Monge, até não está um mau brasão mas…”
Monge – “Diga, senhor! Estamos aqui para o servir!”
S.- “Falta-lhe virilidade! Acho que precisamos de mais dragões! E…”
M. – “Uh! Não sei se o podemos fazer. Os monges criativos temo que não aprovem a sua ideia!”
S. – “Cala-te! Este é o meu brasão! E quem manda nele sou eu! Os teus criativos fazem aquilo que eu quero ou então não há doação na Páscoa para ninguém!”
M. – “Tendes razão, meu senhor! E quão generoso costumais sempre ser.” (tom de ironia e sarcasmo não percebido pelo senhor da guerra)
S. – “E falta-lhe um símbolo de coragem e poder. Acho que devíamos encaixar um ou dois leões algures! Haveis anotado?”
M. – “Sim, senhor!”
S. – “E queremos que este brasão se veja bem em todo o lado, que não passe despercebido aos olhos de ninguém, mesmo na mais sangrenta das batalhas. Acho que o devíamos fazer em escarlate e dourado! E, claro, queremos que toda a gente perceba que é um brasão novo, portanto acho que seria de bom tom escrever a palavra “NOVO” em grande, em cima do lado direito! E…”
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